Os poemas que não tenho escrito
porque
trabalhando num banco me interrompiam a toda hora
ou tinha que ir à venda e à horta
— quando o poema batia à porta,
os poemas que não tenho escrito
por temer
descer mais fundo no escuro de minhas grotas
e preferir os jogos florais
de uma verdade que brota inócua,
os poemas que não tenho escrito
porque
meu dia está repleto de alô como vai volte sempre obrigado
e eu tenho que explicar na escola o verso alheio
quando era a mim próprio
que eu me devia explicado,
os poemas que não tenho escrito
porque gritam
ou cochicham ao meu lado
ligam máquinas tocam discos e ambulâncias
passam carros de bombeiro e aniversários de criança
e até mesmo a natureza solerte
se infiltra entre o papel e o lápis
inutilizando com sua presença viva
minha escrita natimorta,
os poemas que não tenho escrito
porque
na hora do sexo jogo tudo para o alto
e quando volto ao papel encontro telefonemas e prantos
a exigência de afetos, planos e reencontros
me deixando lasso o pênis e um remorso brando no lápis
esses poemas que não tenho escrito
como um ladrão escapando pelas frestas
ou covarde devorado por seus medos
e persas
esses poemas que não tenho escrito
esses poemas
estão lá dentro
me espreitando
alguns já ressecados
outros ressucitando
outros me acudindo
muitos me acenando
batendo à porta
— me arrombando
me invadindo a sala
com falas corretoras
enciclopédias e planos
esses poemas estão lá dentro
latentes
me apertando
atando
sufocando
e qualquer dia me encontrarão
roxo e acuado
senão boiando e afogado
— numa sangria de versos desatada.
Affonso Romano de Sant'Anna
Ei, amore...
ResponderExcluirÉ mais ou menos por essas e por outras que não tenho escrito poemas, tá vendo...?
Mas eles estão aqui... só temo essa sangria desatada!
Adorei, viu?
Meu pai sempre gostou de ler muito... Aliás, gosta, até hoje! Aprendi com ele e minha mãe a amar os livros e a leitura... Entre as centenas de livros que circulavam pela minha casa, havia dois livros de Affonso Romano de Sant'ana (Sim, na minha casa havia livros dos mais diversos autores, de Machado de Assis à Cassandra Rios!! E, sim, eu li Cassandra Rios ainda bem novinha... rsrs), e eu adorava!
Tinha tempo que não lia nada dele, que gostoso relembrar...
Beijos, amore, gostei demais da conta!
^^
Pois é, por isso tenho escrevido pouco mesmo... mas o q me assusta mais é essa história do 'pênis lasso', amore!rsrs
ResponderExcluirDepois posto a bio dele e mais poesias q já separei.
Xêro a todas!!
Well
ResponderExcluirBelo poema pra ser apreciado a qualquer hora. Vc sempre descobre preciosos tesouros da Literatura. Amei o poema. E pesquisarei a respeito do autor. Tenha um bom domingo.
Bjusss, Sil